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Enquanto emendas turbinam Natal de deputados e senadores, Rei do Lixo assombra Congresso

Na manhã do último dia 10, vizinhos de um condomínio de classe média alta de Salvador presenciaram uma cena insólita. Um homem abriu a janela dos fundos de um apartamento e atirou para fora uma sacola com mais de R$ 220 mil divididos em maços gordos de notas de R$ 100. Naquela mesma hora, a Polícia Federal (PF) batia na porta da frente. Poucos minutos depois, o dono do dinheiro, o vereador Francisco Nascimento, da cidade de Campo Formoso (BA), saía dali para a cadeia. Desde então, gabinetes do Congresso e da Esplanada dos Ministérios entraram em modo pânico.

Francisco é primo do líder do União Brasil na Câmara dos Deputados, Elmar Nascimento, e um dos alvos de uma operação que apura o desvio de recursos de programas do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). Tudo dinheiro de emendas parlamentares, incluindo as do orçamento secreto.

Além do dinheiro do vereador, foram interceptados pela PF também o avião alugado por um dos chefes do esquema — o empresário José Marcos de Moura, conhecido como Rei do Lixo na Bahia, que pousou em Brasília levando R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo e uma pilha de documentos.

Na papelada havia uma planilha de 50 páginas com nomes, valores e detalhes de contratos espalhados por 17 estados e dezenas de municípios com toda a pinta de ser a contabilidade do grupo criminoso. Só neste ano, a quadrilha identificada pela Polícia Federal movimentou R$ 824 milhões. Até o momento, todos os envolvidos têm relação com o União Brasil.

Para quem não ligou o nome à pessoa, o União foi o partido que nasceu da junção do antigo PFL de Antônio Carlos Magalhães com o PSL de Jair Bolsonaro. Corpo e alma do Centrão, tem 59 deputados e sete senadores. Entre eles está Davi Alcolumbre, do Amapá. Candidato praticamente eleito para a presidência do Senado Federal, Alcolumbre é hoje um dos maiores operadores de emendas do Congresso, com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). É, ainda, o padrinho político do ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, que administra as verbas do Dnocs.

Trocas de mensagens captadas pela PF mostram que o grupo de investigados contava com a liberação de R$ 14 milhões de uma emenda para obras em Juazeiro (BA) via Dnocs, mas a Caixa Econômica Federal barrou a operação. Eram os últimos dias de 2023, mas eles tinham urgência. Recorreram à chefe de gabinete de Alcolumbre, que conseguiu destravar os recursos nas últimas horas do dia 31 de dezembro.

As emendas parlamentares se tornaram o cerne de uma queda de braço entre o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo menos desde agosto. Foi quando o ministro Flávio Dino suspendeu por liminar a liberação dos recursos, ao avaliar que elas não obedeciam às exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade.

Pela decisão de Dino confirmada pelo Supremo, o dinheiro só poderia voltar a ser pago depois que o Congresso criasse mecanismos de transparência e rastreabilidade que permitissem fiscalizar sua aplicação — como registrar em sistemas de acesso público quem é o “pai” de cada emenda e a aprovação de um plano de trabalho. Revoltados com a decisão, os parlamentares foram ao Palácio do Planalto apelar a Lula que intercedesse contra o que chamaram de “criminalização das emendas”.

O argumento da criminalização é batido e costuma ser eficaz. Mas só começou a funcionar neste final de ano, quando o governo precisou aprovar o pacote fiscal de Fernando Haddad e o Orçamento para 2025. O Congresso, então, recorreu à chantagem pura e simples: sem o dinheiro das emendas, ninguém votaria nada.

Sem alternativas, o governo cedeu. Publicou uma portaria com uma gambiarra que autoriza liberação dos recursos com a mera apresentação de um plano de trabalho, sem a necessidade de aprovação. Se lá na frente esse plano for rejeitado por alguma irregularidade ou se revelar uma farsa, já era.

Fingindo não perceber o drible, o STF deu aval à manobra. O dinheiro começou a sair — R$ 7,6 bilhões, até agora. O Congresso começou a votar. Alcolumbre, Lira e sua turma arregaçaram as mangas para distribuir tudo o que puderem até o último dia do ano.

À primeira vista, tudo parece ter voltado ao normal. Mas só parece. Enquanto contam os desembolsos, assessores e parlamentares se perguntam até quando dura a bonança — e quem será o primeiro a cair quando as planilhas descobertas no avião do Rei do Lixo começarem a falar.

Fonte: Globo

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