O Brasil poderia ser parte da solução para reduzir o impacto das mudanças climáticas, mas a gestão Jair Bolsonaro preferiu torná-lo parte do problema, enfraquecendo a fiscalização, destruindo regras de preservação ambiental, apoiando o Congresso em sua cruzada contra o desenvolvimento sustentável. Mais do que párias, passamos a ser vistos como ameaça global sob o governo do “mito”.
Diante disso, o balanço possível neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, é que as declarações de solidariedade do presidente da República diante de catástrofes como as que ocorreram com as chuvas no Grande Recife, em Petrópolis e no Sul da Bahia, exemplos de eventos climáticos extremos que se tornam mais frequentes com o aquecimento do planeta, são puro suco de hipocrisia.
Afinal, como acreditar em uma pessoa que, num dia, lamenta um incêndio e, no outro, protege pessoas que acendem o fósforo e joga, ele próprio, gasolina quando avalia que as chamas não estão altas o bastante.
Todos os que se debruçam sobre o assunto, de cientistas a organizações da sociedade civil, passando por políticos racionais, técnicos do governo e diplomatas até agropecuaristas, industriais e investidores responsáveis sabem que a reeleição de Jair em 2022 lhe dará um salvo-conduto para aprofundar uma política predatória.
Sua recondução ao poder representará, na prática, uma banana que os brasileiros darão aos acordos internacionais para redução de emissões de carbono, mas também à sua própria qualidade de vida e de seus filhos e netos, uma vez que eventos climáticos extremos, como secas, chuvas, tempestades de poeira, estão cada vez mais frequentes e transformando o cotidiano em inferno.
Ou você acha que a falta de água nos reservatórios das hidrelétricas no Brasil foi apenas derivada de uma seca sazonal trazida pelo fenômeno La Niña? Ignorando que a vazão dos rios mudou e o país está mais seco (perdemos 15,7% de superfície de água em quase 30 anos, o equivalente a 3,1 milhões de hectares, de acordo com pesquisa do MapBiomas), o governo Bolsonaro fez uma gestão negacionista dos reservatórios e, hoje, estamos sob risco de apagão e com conta de luz nas alturas.
Jair, um cruzado contra o respeito às regras e leis
Desde o início de seu mandato, Bolsonaro tem enfraquecido as instituições de fiscalização, como o Ibama, o ICMBio e a Funai, protegendo madeireiros, garimpeiros e pecuaristas ilegais. É vergonhoso admitir para o mundo, mas grileiros de terra e invasores de territórios indígenas são a base de apoio do presidente do Brasil.
Tanto que não é segredo que Jair tem abertamente dito a eles que podem ficar tranquilos que seu governo garante a impunidade diante do desmatamento. E empunhando teorias da conspiração sobre a invasão da Amazônia por países estrangeiros, ele traz para o balaio um naco dos militares desconectado da realidade.
Não só. Em discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, ele culpou os indígenas pelo fogo que consumiu trechos da floresta amazônica. As imagens as queimadas provocadas por produtores ilegais circularam pelo mundo, ajudando a nos elevar à categoria de párias ambientais.
Caso exemplar dessa política bolsonarista em que o certo se torna errado e o errado vira o certo foi a punição a Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal responsável pela maior apreensão de toras de madeira da história. Após encaminhar uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal contra o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por ele ter dificultado o trabalho da fiscalização e defendido interesse dos criminosos, Saraiva foi transferido da Amazônia para Volta Redonda (RJ).
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, setores anacrônicos do Congresso Nacional empurram projetos de leis que ajudam a esquentar terras públicas roubadas e perdoar desmatamento ilegal ao mesmo tempo que sua cúpula tenta aparecer como preocupada com os impactos das mudanças climáticas e com a adaptação do país a essa nova realidade. O comportamento é semelhante a alguém que caiu no esgoto jogar purpurina para disfarçar.
No atual momento, a participação do Brasil em conferências como a de Glasgow, na Escócia, no ano passado, tem apenas o objetivo de fazer greenwashing, a famosa lavagem de marca. Considerando que há muita multinacional estrangeira com o mesmo objetivo, que adora doar uma cesta básica e fazer um comercial bonitão para a TV, mas não investe para tornar seu negócio menos predatório, temos vários aliados de peso.
Em suma, presidente topa sim discutir redução de emissões de metano através da adaptação da atividade pecuarista. Só não quer fiscalizar e punir quem deixar de fazer isso.
STF tentou reduzir ‘boiada’ no meio ambiente, mas rebanho segue grande
O Supremo Tribunal Federal reduziu (um pouquinho) o tamanho da boiada que o governo Jair Bolsonaro tocou sobre a proteção ambiental com duas decisões em 28 de abril deste ano. Devolveu a representação da sociedade civil ao Fundo Nacional do Meio Ambiente e a dos governadores ao conselho da Amazônia Legal.
Ou seja, melhorou a governança sobre a área, que está sequestrada pelo governo federal e por sua pauta de desconstrução dos marcos legais e infralegais e dos processos federativos e participativos que vêm desde a Constituição de 1988.
Julgamentos como esses do STF não serão os únicos. Virão outros, e Bolsonaro usará o caso para justificar que precisa de mais quatro anos no poder para rechear o STF de ministros como o seu querido Kassio Nunes Marques, o único dos 11 que, claro, votou contra a melhoria na governança do fundo e do conselho.
Na antológica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sugeriu a Jair Bolsonaro aproveitar que atenção da imprensa estava sobre a pandemia para enfraquecer regras de proteção e preservação ambiental. O tal “passar a boiada”.
A declaração do então ministro foi importante porque tirou a estratégia do governo das sombras e a levou para o centro da pauta nacional, mostrando que ela era real e não “paranoia de ongueiro” – como parte do agronegócio, das mineradoras e dos militares gosta de afirmar.
Como já disse aqui, por ser um importante produtor de alimentos e commodities, o Brasil desperta a ira de setores econômicos em países concorrentes e, portanto, temos visto tentativas de erguer barreiras comerciais a mercadorias brasileiras usando como argumento o desrespeito aos direitos humanos ou agressões ao meio ambiente – mesmo que o interesse seja puramente protecionista. Infelizmente, damos subsídios para isso devido a uma parte de nossa produção insistir em agir de forma predatória contra o meio ambiente e as populações tradicionais e o governo fomentar isso baseado numa visão tosca de desenvolvimento.
Há atores econômicos estrangeiros que usam o discurso ambiental de forma hipócrita em nome do seu protecionismo? Sim. Outros países também poluem? Claro. Mas o Brasil está ajudando a piorar a vida no planeta com seu comportamento medieval e atacando a dignidade dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos? Sem dúvida.
Tic-tac, tic-tac
O cronômetro está em contagem regressiva. Estamos próximos de atingir o ponto de não retorno, em que a floresta amazônica não conseguirá mais se regenerar diante das agressões, o que levará à sua savanização e a uma reação em cadeia em outras regiões do país, como alerta Carlos Nobre, um dos mais importantes cientistas brasileiros.
Os últimos três anos presenciaram uma sabotagem por parte do Estado à ciência e à vida. Como resultado, temos quase 670 mil mortos por covid-19 e taxas de desmatamento recorde, bem como a degradação da qualidade de vida não apenas de comunidades tradicionais, mas do resto do país.
Bolsonaro pode se lambuzar na piscina do conspiracionismo dizendo que territórios indígenas são estoques de minerais que deveríamos explorar antes dos estrangeiros – piscina no qual seus seguidores mais fiéis nadam de braçada. Pode prometer retomar a glória ignóbil do rolo compressor da ditadura, dizendo que empresários devem ocupam um “deserto verde” – deserto habitado, diga-se de passagem.
Mas, ao final do dia, a questão que precisa ser respondida pelos empresários é se eles vão continuar apoiando um governo que pode queimar dinheiro de exportações de carne, de soja, de minerais, entre outros, que ficarão bloqueadas em portos pelo mundo, acusadas de crimes contra o meio ambiente e indígenas.