Não é que Bolsonaro perdeu a vergonha na cara. A questão é que há no Planalto um presidente que ostenta a própria sordidez como um galardão. Políticos infames costumam se esconder pelos cantos, roídos de vergonha. Bolsonaro apregoa, com uma tabuleta na testa: “Sou torpe sim! E daí?” De passagem pelo Paraná, exagerou na obscenidade.
Declarou que difundir mentiras nas redes sociais não é crime. “Onde está tipificação para fake news? Não existe.” Tolice. O Código Eleitoral prevê a punição de candidatos que divulgarem informações sabidamente falsas durante a campanha. Numa referência indireta aos ministros do Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro disse que “não tem nenhum maluco” capaz de impugnar sua candidatura.
Declarou que irá à “guerra” para defender a “liberdade” de propagar o que lhe vier à telha. Voltou a ejacular inverdades sobre o sistema eleitoral. Lançou um repto ao futuro presidente do TSE, Alexandre Moraes. “Vai cassar meu registro?” Horas antes, Moraes sinalizara a intenção de comandar as eleições com mão forte: “Nós não podemos fazer a política judiciária do avestruz, fingir que nada acontece…”
Sem citar o nome de Moraes, Bolsonaro escarneceu: “Duvido que tenha coragem de cassar meu registro. Não estou desafiando ninguém, mas duvido que tenha coragem de cassar”.
Bolsonaro foi instado a dizer algo sobre o caso de Genivaldo de Jesus Santos. Equiparou o assassinato a um erro. Saiu em defesa dos três agentes da Polícia Rodoviária Federal que mataram o jovem negro ao abordá-lo numa blitz por conduzir uma moto sem capacete em Sergipe.
“Não é a primeira vez que morre alguém com gás lacrimogêneo no Brasil”, afirmou o presidente. Espanto! “Se pesquisar um pouquinho, até nas Forças Armadas já morreu gente”, acrescentou. Pasmo! “Eles queriam matar? Eu acho que não. Lamento. Erraram? Erraram. A Justiça vai decidir. Acontece, lamentavelmente.” Estuperação!
A agenda de Bolsonaro incluiu um passeio de moto com seus devotos. Sem capacete. Foi a terceira vz que o presidente desfilou numa moto sem capacete desde que Genivaldo foi asfixiado até a morte no porta-malas da viatura policial.
Charles Darwin escreveu um livro chamado “A expressão das emoções no homem e nos animais”. Nele, catalogou as expressões fisionômicas dos chimpanzés, dos cachorros e dos homens. Baseou-se no que chamou de “princípio da antítese”. O cachorro, por exemplo, manifesta o amor pelo dono por meio de uma mutação que sinaliza a negação da agressividade: amolece as vértebras, balança o rabo, lambe a mão…
Darwin não previu que surgiriam os políticos brasileiros. Neles, o “princípio da antítese” passa pela ocultação dos sentimentos. O canalha transpira bondade. O ladrão estala de pureza moral. O truculento exala doçura.
Bolsonaro subverte a tradição. Seu cinismo é límpido, transparente. O capitão exibe a impudência tatuada nas bochechas. Evita o capacete para que o queixinho de Mussolini fique exposto ao vento. Traz a afronta sempre na ponta da língua. Sua desfaçatez denuncia a confiança plena na leniência da Justiça.
O brasileiro assiste à apoteose do horror. Bolsonaro se vangloria do governo sem corrupção enquanto entrega os cofres aos larápios do centrão. Viola a integridade da Petrobras a pretexto de se vingar do “estupro” que vê nos lucros da estatal. Leva para o palanque a beleza evangélica de Michelle, uma Lady Macbeth ensaiada para apregoar que o rei é “imbrochável”
Os lábios de Bolsonaro emanam gases tóxicos. É como se o presidente desejasse transformar a República numa câmara de gás hipertrofiada. O presidente abomina as urnas eletrônicas que lhe deram mandatos em série com o apavoramento de quem cospe num prato em que talvez já não possa comer. A anti-Presidência de Bolsonaro fez surgir uma fome de sanidade no ar.