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MPF requer que Justiça Federal suspenda o projeto de crédito de carbono/REDD+ do estado do Amazonas


O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para que a Justiça Federal suspenda, de forma emergencial, o projeto de crédito de carbono/REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), lançado pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Amazonas (Sema) para as unidades de conservação estaduais, onde habitam povos indígenas e tradicionais.

O MPF identificou a sobreposição dos projetos de crédito de carbono da Sema tanto com territórios tradicionais ribeirinhos quanto com territórios indígenas. Também constatou que os povos indígenas e comunidades tradicionais (ribeirinhos e extrativistas) não foram consultados, conforme dispõe a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Houve, ainda, atritos iniciados no interior das unidades de conservação estaduais, entre comunitários tradicionais e representantes das associações mãe, em decorrência do anúncio da Sema sobre os projetos, sobre valores milionários, sem qualquer explicação.

Em reuniões realizadas durante este ano, as lideranças e comunitários ribeirinhos e extrativistas das unidades de conservação estaduais relataram ao MPF que o projeto lançado pela Sema não era de conhecimento deles e que, mesmo sem consentimento dos povos que vivem ali, a secretaria escolheu e permitiu a entrada de empresas nas comunidades.

Diante desse cenário, o MPF requer a concessão de medida cautelar de urgência para suspender todos os atos administrativos relacionados à implementação do projeto de crédito de carbono/REDD+ em andamento pela Sema e pelas empresas selecionadas indevidamente por ela, incluindo o edital lançado com a escolha das empresas, impedindo seu ingresso nas comunidades. Pede ainda a citação do Governo do Estado do Amazonas, para contestar a demanda no prazo legal, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para informar como deseja compor a demanda, e da Articulação dos Povos e Associações Indígenas do Amazonas (Apiam), para informar sobre o interesse da sua participação no processo.

Além disso, pede a fixação de multa diária e outras medidas constritivas, caso o governo do estado não observe a suspensão do projeto de carbono/REDD+, com valor a ser revertido em projetos coletivos aos povos indígenas e tradicionais potencialmente afetados, bem como a produção de todas as provas permitidas, em especial a realização de audiências públicas pela Justiça, na capital do estado do Amazonas, assim como em municípios do interior e mesmo nas comunidades das unidades de conservação estaduais, de modo a dar ampla visibilidade e transparência ao debate.

Na ação judicial, o MPF requer, ainda, a condenação do governo do estado ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões, a serem destinados aos povos indígenas e tradicionais afetados pelas medidas irregulares e violadoras de seus direitos no âmbito do projeto de carbono/REDD+ da Sema.

Recomendação

Em agosto deste ano, o MPF expediu a Recomendação Legal nº 01/2024 para a suspensão das atividades de crédito de carbono em todos os territórios indígenas e tradicionais do Amazonas, o que incluiu o projeto da Sema nas unidades de conservação estaduais. A recomendação gerou repercussão nacional e internacional, bem como respostas de empresas, órgãos públicos e entidades atuantes neste tema no estado. Em reunião com o MPF em 20 de setembro, o secretário da Sema foi informado pelo MPF que o tema seria judicializado, considerando as violações constatadas. Diante disso, o secretário informou ao MPF que o Governo do Amazonas cumpriria a recomendação e suspenderia o projeto de carbono/REDD+. No entanto, logo em seguida, houve decisão liminar do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para a suspensão da recomendação e não mais houve resposta da Sema sobre a suspensão do projeto. Além disso, os ribeirinhos e extrativistas continuaram a enviar informações ao MPF sobre as violações aos seus direitos e a ausência de diálogo e de consulta por parte do Governo do Amazonas.

Diante de tal cenário e de possíveis interpretações equivocadas da recomendação, o MPF optou por judicializar a questão envolvendo o projeto da Sema, bem como determinou a revogação da recomendação. Também menciona expressamente que fica mantida a atribuição do MPF para a investigação e ingresso de ações judiciais nos temas envolvendo créditos de carbono e violações de direitos indígenas e de comunidades tradicionais, assim como a possibilidade de adoção de medidas extrajudiciais diante de qualquer projeto que viole esses direitos.

Créditos de carbono e potencial inutilidade para combater a crise climática

A existência dos projetos de carbono/REDD+ está diretamente ligada à crise climática mundial, que é causada especialmente pela emissão de gases de efeito estufa (GEEs). A crise é um dos grandes problemas que têm aumentado e tornado mais frequentes as cheias extremas, como as do Rio Grande do Sul e da Espanha em 2024, ou as secas extremas como a do Amazonas e Amazônia em 2023 e 2024. Em resumo, por meio da compra destes créditos de carbono, grandes empresas e organizações poluidores mundiais podem “compensar” sua poluição, cumprir acordos de redução de GEEs e divulgar que estão adotando medidas sustentáveis.

No entanto, estudo publicado na revista Science, no ano de 2023, mostrou que milhões de créditos de carbono podem ter sido gerados com base em estimativas exageradas sobre os benefícios dos projetos à proteção florestal. Neste mesmo ano, o MPF e o MP Estadual no Pará se manifestaram em nota sobre o tema dos contratos de crédito carbono, mais especificamente sobre violações à consulta da Convenção nº 169 da OIT e aos direitos territoriais dos povos indígenas e tradicionais. Outro estudo publicado recentemente pela Nature (14 de novembro de 2024) traz em suas conclusões que menos de 16% dos créditos de carbono emitidos para os projetos investigados constituem reduções reais de emissões, com avaliação que aponta problemas de qualidade substanciais e sistêmicos entre os projetos.

Além disso, em abril deste ano, a Funai publicou nota oficial orientando os povos indígenas a não participar de negociações, tratativas e contratos envolvendo a comercialização de créditos de carbono diante dos problemas identificados. Em julho, mais de 80 organizações ambientais ao redor do mundo divulgaram carta conjunta pedindo o fim das compensações de emissões de gases do efeito estufa com créditos de carbono por não serem soluções adequadas para o combate à crise climática.

Cúpula Social do G20

No último dia 14 de novembro, foi emitida a declaração dos agricultores familiares, povos indígenas, comunidades tradicionais, camponeses, afrodescendentes, pastores e pescadores artesanais para a cúpula social do G20, condenando o que chamaram de “falsas soluções” para a crise climática, citando, entre elas, o mercado de carbono. A declaração é assinada por representantes do Brasil, Argentina, França, Guatemala, Turquia, China, Japão, África do Sul, Mali, Estados Unidos da América, Índia, Austrália, América Latina e União Europeia.

Na declaração, há, entre os pedidos e apelos, o seguinte trecho: “[15] Condenamos a mercantilização da natureza e a apropriação dos recursos naturais. Exigimos respeito aos direitos dos agricultores, tal como consta do artigo 9.º do ITPGRFA e do UNDROP. Os governos não podem continuar a abordar as alterações climáticas ou as crises da perda de biodiversidade com falsas soluções, como o mercado do carbono ou as compensações de biodiversidade. Os agricultores familiares, os povos indígenas, as comunidades tradicionais, os camponeses, os afrodescendentes, os pastores e os pescadores de pequena escala precisam de acesso facilitado ao financiamento e apoio para uma transição agroecológica e energética capaz de reforçar a resiliência climática e restaurar os ecossistemas degradados. Nossos agricultores familiares, povos indígenas, comunidades tradicionais, camponeses e afrodescendentes precisam de apoio técnico e acesso a tecnologias sociais. Além disso, precisamos que os governos reconheçam os sistemas participativos de garantia”.

Para o MPF, a transparência e clareza destas informações também é um direito dos povos indígenas e tradicionais para a efetiva realização dos procedimentos de consulta. Com o objetivo de promover o entendimento da ação judicial, o MPF construiu um resumo em linguagem simples (páginas 03 a 14), conforme orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ao final da ação (páginas 77 a 82), há um resumo geral com os principais pontos e pedidos.

Foto: Reprodução



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