Passado um ano dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, pouca coisa mudou na parte oeste do Amazonas, onde fica a Terra Indígena Vale do Javari, a segunda maior área destinada ao usufruto exclusivo indígena do país e que abriga a maior concentração de povos isolados em todo o mundo.
A conclusão é do advogado Eliesio Marubo, procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), organização não governamental em que Bruno começou a trabalhar, após pedir licença da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – onde, segundo pessoas próximas, ele vinha sofrendo pressões políticas por sua atuação em defesa dos direitos dos povos originários.
“Temos sentido algum tipo de melhora recente”, disse Eliesio à Agência Brasil, na última quinta-feira (1). “Mas esperávamos que o Estado apresentasse um plano capaz de fazer com que as políticas públicas acontecessem, de fato, na região. O policiamento ostensivo nos moldes que propusemos e as prioridades que indicamos ao atual governo federal durante a transição não aconteceram. Isso faz com que a região fique cada vez mais vulnerável”, acrescentou Eliesio.
Consultado sobre o assunto, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não se manifestou até a publicação desta reportagem. Já a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, disse, à Agência Brasil que, apesar dos esforços recentes, a região ainda carece de “ações estruturantes” e de mais segurança. Principalmente para proteger os cerca de 8,4 milhões de hectares da Terra Indígena Vale do Javari (cada hectare corresponde, aproximadamente, às medidas de um campo de futebol oficial).
Nesta sexta-feira (2), o Ministério dos Povos Indígenas anunciou a criação de um grupo de trabalho para promover a segurança e combater a criminalidade no Vale do Javari. O grupo será formado por dez ministérios, que trabalharão em parceria com a Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para propor medidas concretas de combate à violência e com o objetivo de garantir a segurança territorial dos povos indígenas que vivem na área. Entidades de povos indígenas também participarão das discussões.
Memória
“As autoridades públicas precisam entender que há uma urgência, uma emergência na região. E que não podemos esperar até que sejam contabilizadas mais mortes. Se as autoridades entenderem isso, estaremos honrando a vida e a memória de Bruno e Dom”, assinalou o procurador da Univaja.
Dom e Bruno foram vistos ainda com vida, pela última vez, no dia 5 de junho de 2022, quando visitavam comunidades ribeirinhas do entorno da Terra Indígena Vale do Javari, próximas à Atalaia do Norte (AM).
Correspondente do jornal The Guardian, o jornalista inglês de 57 anos estava percorrendo a região entrevistando lideranças comunitárias e outros personagens para um futuro livro-reportagem sobre a preservação da floresta amazônica.
Já o indigenista de 41 anos coordenava reuniões com comunidades atendidas pela Univaja, organização para a qual trabalhava desde que se licenciou da Funai, em fevereiro de 2020, poucos meses após ser dispensado do cargo de coordenador-geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato.
Pessoas próximas alegam que a insatisfação de Bruno com os rumos que a equipe de governo do então presidente Jair Bolsonaro impunha à política indigenista foi decisiva para que ele pedisse licença para “tratar de assuntos pessoais”. Ao passar a atuar nos projetos de autoproteção comunitária da Univaja, Bruno passou a receber novas ameaças de morte – algo com que já convivia no serviço público.
Em 22 de julho de 2022, o Ministério Público Federal (MFP) denunciou Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado; Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, e o irmão de Pelado, Oseney da Costa de Oliveira, o Dos Santos, por duplo homicídio e ocultação de cadáveres. Os três estão presos, aguardando julgamento.
Para os procuradores, “os elementos colhidos no curso das apurações apontam que, de fato, o homicídio de Bruno teria correlação com suas atividades em defesa da coletividade indígena. Dom, por sua vez, foi executado para garantir a ocultação e impunidade do crime cometido contra Bruno.”
Já em janeiro deste ano, a Polícia Federal apontou a Ruben Dario da Silva Villar, o Colômbia, como mandante e mentor intelectual do crime. Villar também é suspeito de associação com atividades ilícitas, como a pesca ilegal, e foi detido duas vezes no âmbito da investigação dos assassinatos de Bruno e Dom – a segunda, em dezembro último, por violar as condições que a Justiça Federal impôs ao liberá-lo na primeira detenção.
“Conversamos com o ministro [da Justiça e Segurança Pública] Flávio Dino e pedimos a ele uma investigação mais apurada sobre alguns pontos. Como, por exemplo, o grupo que dá sustentação política ao conjunto de atividades ilegais que funcionam na região. Outro ponto sobre o qual é necessário aprofundar as investigações é o caminho do crime na região amazônica. Apurar estes dois pontos é necessário para garantirmos a segurança não só da terra indígena, como de toda a população do seu entorno”, comentou Eliesio Marubo.